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Catarina Furtado “O meu ego tem de estar ao serviço dos outros”

Desde pequena que Catarina Furtado sentiu que tinha que fazer algo pelos outros, principalmente pelas meninas, raparigas e mulheres. Na sua profissão de comunicadora encontra o seu propósito enquanto mulher e cidadã.

Fotografia: Público


Catarina Furtado entra na casa dos portugueses há quase 30 anos. O seu percurso começou na dança, ainda passou pelo jornalismo mas preferiu a apresentação e a representação. Em 2000, Kofi Annan, então secretário geral das Nações Unidas convidou-a para ser embaixadora do Fundo das Nações Unidas para a População, missão que aceitou de imediato e que cumpre até hoje.


Em 2012, Catarina Furtado fundou a Corações Com Coroa, Organização Não Governamental para o Desenvolvimento, que tem como missão promover uma cultura de solidariedade, igualdade de género e inclusão socioafetiva de pessoas em situações de vulnerabilidade, risco ou pobreza sob o lema "Apoiar uma mulher é apoiar uma família, uma comunidade, um país". Este ano trouxe de volta ao ecrã mais um temporada de “Príncipes do Nada”, desta vez sobre os refugiados.


Na vida, tenta procurar sempre o que a faz feliz e não tem dúvidas de que o seu trabalho tem de ter um propósito: os outros.



A Catarina tem cerca de 20 anos de experiência como embaixadora do UNFPA. Nestes 20 anos, com tudo aquilo que testemunhou, o que mudou em si e na sua perceção do mundo?

Quando recebi o convite do então secretário geral das Nações Unidas, Kofi Annan, tinha uma enorme vontade de mudar o mundo, mas uma experiência muito limitada e um conhecimento muito parco em relação às verdadeiras desigualdades sociais, em particular, às de género. Portanto, eu sabia muito pouco sobre essas realidades. A partir do momento em que fiz a minha primeira viagem ao terreno, que foi a Moçambique, deparei-me com as caras que fazem as estatísticas e que preenchem os relatórios. Como embaixadora, ler os relatórios era o que estava habituada a fazer como trabalho de casa. Faço aqui um parêntesis: ser embaixador é uma missão completamente voluntária. Nós somos convidados a ser uma espécie de porta-vozes destas realidades porque somos figuras públicas nos nossos países, alguns no mundo inteiro, e, por essa razão, temos um contacto privilegiado com os órgãos de comunicação social, e com os mais jovens, junto das escolas e das universidades. Temos também um acesso privilegiado aos decisores políticos, quer nos países desenvolvidos, quer nos países em desenvolvimento a que nos deslocamos. Portanto, eu tinha um conhecimento muito reduzido e baseado nas estatísticas e relatórios. Mas, a partir do momento em que se vai para o terreno e se conhecem as pessoas, consegue-se perceber o impacto das medidas que não foram tomadas, dos compromissos que foram assumidos mas que depois não foram concretizados, percebe-se que a vontade política impediu muitas pessoas de terem uma vida digna. Assim, passa a haver um compromisso muito mais verdadeiro, porque eu não esqueço as caras, os rostos, os desabafos… Sobretudo, dessas pessoas que supostamente não contam e que têm um potencial imenso, e eu consegui de uma forma muito mais automática, espontânea colocar-me sempre no lugar delas. Isso foi o que mudou realmente. Foi eu perceber que existem pessoas reais, que estão a viver situações absolutamente vergonhosas, e que muitas vezes são evitáveis se houver vontade política, se houver medidas que ponham as pessoas no centro das prioridades. Passou a ser mais do que um compromisso, é uma causa, uma coisa muito urgente em mim enquanto cidadã do nosso país e do mundo. Tornei-me menos ingénua, mais indignada, e com mais vontade atuar e de não me calar.


E na perceção do mundo?

É importante afirmar que as pessoas desabafam dizendo que se juntam por uma causa mas que não dá em nada, porque o mundo é assim. Isso não é verdade. Se fizermos um estudo, vamos verificar que, hoje em dia, há mais gente com comida, menos gente a morrer à fome e muito mais crianças com acesso ao ensino primário e até ao ensino secundário. A desigualdade de género é uma realidade transversal a todos os países, mas, apesar de tudo, já se combatem muitas das práticas nefastas contra a saúde e saúde das meninas, das raparigas e das mulheres. Obviamente que houve evolução. E é com base nestes progressos que se pode replicar os projetos, porque já temos a prova de que eles resultam, portanto só falta mesmo vontade. O mundo efetivamente está melhor do ponto de vista dos direitos humanos. Obviamente, em alguns lugares, a violação dos direitos humanos é diária. O que me parece é que é possível fazer mais e melhor. Parece-me inevitável que cada um de nós faça parte dessa mudança. Ainda há muito o discurso de que são os governos que têm de resolver as situações e que não é da nossa responsabilidade. Mentira. É da responsabilidade dos governos e dos que estão em cargos decisivos, mas também das empresas, que devem exercer a sua responsabilidade social, das organizações não governamentais que estão no terreno, e é também da responsabilidade de cada um de nós. Cada um de nós tem de fazer a sua parte. Se as pessoas boas não o fazem, estão a ser coniventes com a não mudança do mundo. Portanto, aquelas pessoas que acham que as coisas podem melhorar, não devem ficar de braços cruzados. Cada um de nós tem de se indignar, de se revoltar, arregaçar as mangas, exigir, mas também tem, ainda que umas vidas sejam mais difíceis do que outras, de fazer a sua parte, sempre.


Então tem uma visão mais otimista agora do que no início?

Não. Tenho uma visão mais realista. Se calhar tinha uma visão mais otimista no início porque sabia menos, e a informação é poder. Quando as pessoas me perguntam o que podem fazer para ajudar, a primeira coisa que lhes digo é que devem querer estar informadas. Algumas pessoas dizem-me que o programa [Príncipes do Nada] é incrível, mas que não conseguem vê-lo. Eu pergunto-me porque é que não conseguem vê-lo. Eu e a minha equipa temos muito cuidado na escolha das imagens, tentamos não ferir suscetibilidades e manter a dignidade das pessoas. Tudo o que está ali são peças de comunicação e de informação. Se as pessoas tiverem essa informação do seu lado, têm muito mais terreno para poder agir e mudar qualquer coisa, dentro das suas capacidades e disponibilidades. Mas sei também, e é importante dizer, que há muita gente completamente anónima, que faz um trabalho extraordinário para mudar estas realidades e não está à espera de receber louvores ou aplausos. São pessoas que estão comprometidas com o mundo e com a vontade de ter um mundo mais igualitário, sustentável e justo, e onde ninguém seja deixado para trás. Estou mais realista e com vontade de continuar a trabalhar.



Estou mais realista e com vontade de continuar a trabalhar


E se não fosse embaixadora do UNFPA, o seu caminho também teria passado pelas causas sociais?

Acho que sim. Não tenho qualquer dúvida. Eu partilhei alguma da minha experiência de ainda enquanto criança e, depois, de adolescente no livro O que vejo e não esqueço (Esfera dos Livros). A primeira parte do livro é sobre como cresci, quais os valores que me foram incutidos, o que fui vendo e que de alguma forma provocou impacto em mim para fazer esta caminhada. E há duas ou três histórias que foram muito marcantes para mim. Comecei a fazer voluntariado quando tinha nove anos, porque a minha mãe foi professora do ensino especial e fui defrontada com conceitos que eu desconhecia completamente no seio da minha família, como por exemplo, a discriminação, o racismo, a violência. Convivi com jovens do ensino especial e percebi que ainda há muita gente que discrimina e olha de lado. Depois, vivia num bairro onde havia uma esquadra da polícia, estamos a falar de há vinte e tal anos, e vi os polícias a maltratar mulheres de uma forma completamente gratuita. Foram vários episódios que me fizerem perceber, na minha inocência, que eu queria fazer qualquer coisa para acabar com aquela situação. Provavelmente não iria para o UNFPA, mas iria certamente lutar pela igualdade de género. Sempre percebi que as mulheres não tinham os mesmos acessos, ainda que num país desenvolvido como Portugal. A desigualdade de género é mais camuflada mas existe, e isso sempre me incomodou. Sempre achei que teria de fazer qualquer coisa na área do empoderamento feminino.


Sempre achei que teria de fazer qualquer coisa na área do empoderamento feminino

Então foram estes episódios que despertaram em si a sua missão, a luta pela igualdade de género?

Sim. Acho que há uma coisa, e é meramente uma convicção minha, diria até do foro mais íntimo: Quando existe algo que tem muito a ver connosco, se nos inclinarmos nessa direção, os caminhos, as portas e as janelas vão-se abrindo. Temos obviamente de estar atentos. Esta foi uma preocupação minha desde sempre. Sempre me fizeram muita confusão as desigualdades sociais. Porque é que umas pessoas têm tanto e outros têm tão pouco? Porque é que eu podia estudar no conservatório, tinha esta oportunidade, e outras crianças não, porque os pais não podiam levá-las para o centro da cidade, por exemplo? São estas desigualdades que sempre me marcaram muito. De certa forma, fui-me inclinando nesta direção e depois surgiu o convite [UNFPA]. Acredito que muito daquilo que nós somos é nossa responsabilidade, as nossas escolhas determinam a nossa felicidade. Fui-me inclinando para as coisas que me faziam feliz, para as coisas que me dariam a realização que hoje tenho e que não é só profissional. É uma realização enquanto cidadã e até enquanto mulher. O mais importante de tudo é nós termos a capacidade de perceber o que nos faz feliz, o que nos preenche. E de não estarmos sempre muito dependentes daquilo que é supostamente a definição de sucesso ou de realização. Na verdade, este mundo promove muito a competição. Olhamos para o vizinho do lado, para ver o que ele está a fazer e que nós também temos de fazer para o imitar. O que acho mais simples é nós respondermos à pergunta: o que é que a mim, e não aos outros, me faz feliz?



Acredito que muito daquilo que nós somos é nossa responsabilidade, as nossas escolhas determinam a nossa felicidade


Apesar de já ter testemunhado tantos dramas e tantas tragédias, tanto como embaixadora, como a fazer os documentários, o que é que não a faz desistir? Aliás, a Catarina já disse que esta última temporada dos Príncipes do Nada foi a mais dura de fazer.

Acho que cada pessoa conta no mundo. Eu não me permito desistir das pessoas quando tanta gente já desistiu. Sou apenas uma migalha, uma gota de água, mas se também for uma das pessoas que desistem, então isso não tem qualquer sentido. Na verdade, há muita gente a sofrer quando poderia não estar em sofrimento. Portanto, jamais irei desistir. Eu converso muito com essas pessoas, seja num campo de refugiados, seja num país em desenvolvimento, em Moçambique como noutro sítio qualquer. Estou lá a ouvi-las e a dar-lhes espaço para que contem as suas histórias. Muitas vezes o que acontece é que as pessoas não são ouvidas. “Nós”, numa arrogância de país desenvolvido, achamos que sabemos do que as pessoas precisam. Mas o mais importante é as pessoas serem ouvidas. Toda a gente tem voz. Não é dar voz às pessoas, é aumentar o volume.


Eu acho que cada pessoa conta no mundo. Eu não me permito sequer desistir das pessoas quando tanta gente já desistiu

Muitas vezes diz-se que essas pessoas não têm voz , mas é preciso dar-lhes voz…

Têm voz, claro que têm! Mas não se ouvem. É como dar dignidade. Não se dá dignidade, a pessoa tem a sua dignidade. São coisas erradas. O que eu faço é dar volume e ouvir, porque estas pessoas ensinam-nos muito.



Quando vai a esses locais e se depara com condições de vida difíceis, é difícil vir embora?

Muito. É muito difícil…sobretudo porque não deixo de ser uma pessoa privilegiada. Quando lá vou, peço “por favor” para entrar numa realidade que não é a minha. Mas aquilo a que me comprometo é a ser muito rigorosa a contar a história, para que ela chegue o mais longe possível. Mas vir embora… é engraçado fazeres essa pergunta… é a coisa mais difícil. E nesta última série de Príncipes do Nada ainda mais difícil foi… porque, por exemplo, no Haiti, no Sudão do Sul, na Índia ou na Guiné-Bissau, quando me venho embora e as pessoas ficam no universo que sempre conheceram, desejo que, quando voltar, estejam a viver em melhores condições. Mas, quando se vai a um campo de refugiados, é revoltante. Porque, quando que me venho embora, tenho a certeza de que não é amanhã, nem depois de amanhã, que aquelas pessoas vão ter as condições mínimas. O que vi na Grécia, por exemplo… provocou-me insónias até hoje. Eu, no meu lugar privilegiado, tenho umas insoniazinhas… mas, o que quero dizer é que é muito angustiante perceberes que aquelas pessoas tinham outro tipo de vida, nomeadamente os refugiados da Síria. Conheci jovens que estavam a acabar a universidade, por exemplo, e que, de um momento para o outro, por causa da guerra, tiveram de fugir, e estão confinados num campo sem nenhuma perspetiva de futuro. Este mapa em branco provoca uma aflição gigante. Não há perspetiva nenhuma e existe a angústia de saber que as bombas continuam a cair nos seus países. Este futuro vago é muito difícil… não há nada que eu possa dizer, embora tente. Despeço-me a desejar “boa sorte”. Isto sabe mal. Digo isto porque não tenho mais nada para dizer.


É importante que as pessoas percebam que nós somos os outros


E é por isso que sente que é tão importante fazer Príncipes do Nada?

Para mim é urgente. Vale muito a pena depois, quando recebemos mails e mensagens de pessoas que querem ajudar diretamente as instituições ou fazem donativos. Ou outras pessoas que têm vontade de fazer voluntariado. Mas é importante dizer que, para fazer voluntariado, é preciso de facto ter competências para o fazer, ter ferramentas. As tais skills, que eu acho que são importantes para ir para aqueles contextos. Mas há pessoas que as têm e que, de repente, despertam e organizam as suas vidas para fazerem voluntariado durante uns tempos. E para mim isso é mágico. É a utilidade que o meu trabalho passa a ter, e que de outra forma não teria, seria apenas entretenimento.


É só assim que faz sentido ser figura pública?

Para mim é. Mas é só para mim… É a única maneira de fazer sentido.




Esta última temporada de Príncipes do Nada teve um feedback muito positivo não foi?

Sim. Ficámos muito surpreendidos porque é uma temática… não vou ser politicamente correta… não é uma temática muito apelativa para os tempos atuais. Estamos a viver tempos de populismo, de xenofobia, de racismo, de nacionalismo. Mas acredito piamente na importância de se transmitir estes conteúdos, que são seríssimos, não são de todo manipulação, são apenas reportagem, documentário, fundamental para contrariar aquilo que tem vindo a crescer e que tem como base algo altamente perigoso, as fake news, que são deformadoras da cabeça das pessoas, porque são baseadas em coisas aparentemente verdadeiras, mas depois põem-se uns ingredientes, vai ao lume outra vez e vêm com outro impacto. E depois têm um tráfego muito grande… É bom que que nós, os que não acreditamos nelas, contra-argumentemos. Eu não acredito num mundo onde há racismo e xenofobia. Não acredito num mundo onde nós, portugueses, só pensamos nos portugueses, só em nós. Não acredito nisso. Gosto muito do meu país e sou muito portuguesa. Mas nós somos fruto de tantas outras coisas, temos tantos pozinhos de outros países. Por isso é que é tão importante contrapor outro tipo de realidades, que promovam a empatia e a solidariedade e façam as pessoas pensar que, se tivessem de fugir, se de repente o nosso país entrasse em guerra, se calhar teríamos de ir para Espanha. É importante que as pessoas percebam que nós somos os outros, não somos assim tão diferentes.


No livro, O que vejo e Não Esqueço, recorda as vezes em que o seu pai regressava das viagens e contava o que tinha vivenciado. Depois das viagens que tem feito para preparar os Príncipes do Nada e não só, faz o mesmo com os seus filhos?

É uma boa pergunta… eu tenho mais concorrência do que naquela altura. Não havia telemóveis, Tik tok, Instagram… Risos. Tenho de fazer um esforço muito maior do que o meu pai fazia para contar as histórias aos meus filhos e tenho de arranjar muitos estratagemas para captar a atenção deles para que possam estar concentrados a ouvir-me. Mas faço questão de lhes contar. Quando vou gravar, tiro muitos fotografias com o meu telemóvel, fotografias que são só para mim. Quando regresso, mostro-lhas e começo a contar aquilo que vi, as pessoas que conheci. Mas também já aprendi que é muito difícil a empatia… aliás, a empatia é possível e aprende-se, não é uma coisa que nasce connosco. Pode nascer ou não. E se não nascer, ela é ensinável. Acho fundamental perceber-se que podemos ser cada vez mais empáticos e solidários. Portanto, para mim é fundamental eu fazer esse trabalho junto dos meus filhos. Mas nada é tão poderoso como se ir ao lugar e se perceber com os nossos próprios sentidos aquilo que é a realidade daquelas pessoas. Tem um impacto direto no coração.


E há coisas que não se partilham?

Sim, há muitas coisas que eu não partilho. Só eu e a minha equipa partilhamos entre nós. Só eles é que sabem, e sabem através de silêncios. Às vezes, estamos a viver coisas terríveis e, nesta última série, vimos coisas mesmo muito tristes, e estamos em silêncio. E estas coisas não se partilham porquê? Porque acho que não há palavras para tudo… existem escritores extraordinários que conseguem. Se calhar sou eu que não tenho esse talento para pôr em palavras… porque há coisas que não vão ter a mesma urgência se eu te contar, não serão nunca tão urgentes para ti quanto foram para mim, que conheci aquelas pessoas. Mas é o meu papel contagiar-te para que tu percebas que é urgente mudar aquelas realidades. Esse papel eu vou fazê-lo sempre da melhor forma que puder.


Mudando de assunto, no meio televisivo, é difícil manter-se fiel aos seus princípios? Como, é a relação que tem com o ego?

Ei lá…a primeira pergunta é mais fácil de responder. No meu caso nunca foi difícil. Vou fazer 30 anos de carreira para o ano e nunca foi difícil. Foi difícil levar com as consequências de tentar sempre manter-me fiel aos meus princípios. As pessoas não percebem e até dizem que, às vezes, não estou a ser inteligente, porque posso perder oportunidades de crescer na carreira. Isso talvez seja mais difícil, e é-o ainda mais quando somos mais novos. Aparentemente, temos mais genica e até o nariz mais empinado, temos a irreverência de querer fazer diferente. E depois as pessoas podem não nos levar a sério, isso aconteceu-me. Mas não foi difícil. Os meus princípios estão sempre muito presentes. Alguns foram passados taxativamente através de palavras, pelos meus pais, outros pelas ações que testemunhava. Acredito até que as ações têm um impacto maior do que aquilo que nos é dito. Portanto, os meus princípios estão muito firmes. Sempre percebi que não estava à venda. Sempre percebi o que é que não queria. Quero muitas coisas ainda hoje, com estes anos de carreira. Ainda há muita coisa que quero fazer. Mas sempre me mantive fiel. É o que dizíamos há pouco. Temos de responder sempre à pergunta: “O que é que tu queres fazer para que sejas sempre feliz?” E isto está sempre comigo, é o subtítulo da minha vida. Risos…





O meu ego tem de estar ao serviço dos outros


No início do seu percurso, cruzou-se com o jornalismo, mas acabou por não enveredar por aí. Porquê?

Porque era muito nova. Sempre achei que quando somos novos devemos experimentar muitas coisas. Tenho medo de morrer porque gosto muito de viver, e, por isso, como gosto muito de viver, fui sempre experimentando coisas. Quando estava a exercer jornalismo numa rádio, foi-me sugerido por uma amiga fazer um casting para a televisão porque ela achava que eu tinha jeito, mas eu não queria ir. Não queria fazer televisão, não queria ser apresentadora. Aliás, nunca sonhei ser conhecida. Acabei por ficar no casting e foi tudo uma bola de neve. Porque gosto de experimentar mais coisas. Correu bem, e os desafios foram aparecendo. Acabei por perceber que no jornalismo, e isso vem do meu pai, não há compatibilidade com publicidade nem com entretenimento. Jornalista é jornalista. Não ia fingir que era jornalista numas coisas e depois fazer um programa de entretenimento. Não podia ser. Achei que o mais certo era deixar o jornalismo mas não abandonar o “contar histórias”. Por isso, a minha veia de documentarista está sempre presente, ainda que num documentário eu possa partilhar emoções e o jornalista não o deva fazer, por ser mais isento, mas eu não me envergonho de partilhar emoções.


O bichinho dos documentários humanitários esteve sempre presente?

Sim. Acho que é uma vertente pouco explorada em Portugal mas é muito importante. É voltar à minha convicção de que cada um de nós, independentemente da profissão que tenha, poderá encontrar uma maneira de partilhar as mensagens. E eu estou na televisão e penso que os documentários humanitários têm a capacidade de fazer com que a pessoa salte do seu sofá e queira agir, mas posso estar a ser naïve. De uma maneira geral, acho que convidam à ação.


Nesta etapa da vida, o que é que lhe falta fazer?

Queres que te diga o meu sonho? Ainda nesta semana pensei nele. Risos.


Sim.

Quero muito fazer uma coreografia humanitária com uma mensagem humanitária. Quero fazer um espetáculo de dança em que eu seja a coreógrafa, não a bailarina. Quero convidar bailarinos e bailarinas, e, através dos seus corpos, e talvez com uma componente multimédia, passar uma mensagem que eu ache importante, nomeadamente em relação aos direitos humanos, à igualdade de género, à não violência, à não descriminação, e transmitir a ideia de que este mundo deve ser mais para todos e para todas, e que cada pessoa deve sentir-se incluída.


Mas a ideia já está em curso?

Não, ainda está no papel. Mas tem graça, porque a dança começou quando eu tinha nove anos e agora tenho esta vontade, é um ciclo que faz sentido.


E na televisão há alguma coisa que gostava de fazer? Ou fazer algo que não foi feito em Portugal ainda?

Não sei. Não tenho essa coisa de fazer o que ainda não foi feito… Isso é de uma música do Pedro Abrunhosa não é? (Canta, “vamos fazer o que ainda não foi feito.”) Eu não tenho essa ambição. Não tenho a ambição de inventar, de ser pioneira. Mas gostava de fazer programas de entrevistas, gosto muito de conversar. Já fiz um bocadinho de tudo. Adoro fazer programas com crianças. Já os fiz com idosos. E este último foi tão bonito, foi um sonho. Era tudo verdadeiro, não era nada falso. E este programa teve um sentido prático. Pós-programa, aquelas crianças continuaram a ir fazer visitas aos idosos. É mágico. E é este tipo de formatos que para mim fazem sentido, quando não é só para obter audiência. Quando é útil para a sociedade, tudo se torna muito mais mágico. E eu continuei em contacto com os idosos.


Mas quando falei de fazer algo na televisão não era no sentido da ambição. Por exemplo, o programa Príncipes do Nada, não havia nada do género quando foram para o ar.

Não, não havia. Fui pioneira há 13 anos, é verdade. Confesso-te que em televisão não tenho assim nada que quisesse fazer. No fundo, já fiz quase tudo. Quer dizer nunca fiz concursos nem manhãs e tardes.


Gostava de fazer daytime?

Só se as regras fossem outras e muito bem cumpridas. Nesses programas, às vezes há alguma exposição que me incomoda, tenho pudor. Eu não tenho pudor nenhum com as emoções, antes pelo contrário, quando estou a comunicar, às vezes até as provoco, e acho-as importantes, para promover a compaixão. Mas as exposições demasiado gratuitas fazem-me alguma impressão, e o daytime está muito cheio disso. Seria um desafio interessante, desde que eu pudesse ter o meu ADN lá e não fosse corrompida pela necessidade da audiência diária. De resto, só posso agradecer a vida que tenho tido e o privilégio de poder fazer programas com os quais me identifico muitíssimo. Tem sido muito bom.


E fora da televisão, sem ser a coreografia?

Quero escrever mais um livro.


Mas daqui a um tempo, ou já está a escrever?

Risos.


Acho que percebi a resposta…

Falta-me tempo, mas está na calha.


Como é que é a gestão do tempo?

É difícil. Mas sou extremamente organizada e muito perfecionista. Tenho uma agenda ainda escrita à mão, não há nada digital. Vou cumprindo, mas de vez em quando gosto de furar, para sentir que estou mais livre, e depois volto à minha rotina. Acho que tenho conciliado bem.


E, no tempo livre que tem, o que é que gosta de fazer?

Coisas muito simples. Andar de bicicleta, sou viciada em bicicleta. São coisas banais, gosto muito de estar com a natureza, de ler. Por acaso, não sou daquelas pessoas que devoram séries. Gosto mais de espairecer.


Agora anda a ler alguma coisa?

Estou a ler Factfulness, fala de assuntos importantes. Estou a devorá-lo e a sublinhá-lo para aprender.


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