top of page
Foto do escritorVânia Barbosa

[Crítica] Luta, inocência e emoção: Milagre na Cela 7

O cinema turco deu passos no mundo ocidental com o “Milagre na Cela 7”. Uma história de amor incondicional entre pai e filha, num contexto histórico e social que permite a pena de morte. Este filme é um teste aos mais insensíveis, que provavelmente vão chorar.

Foto: divulgação

Milagre na Cela 7” é um filme turco, realizado por Mehmet Ada Öztekin e lançado em 2019. Tem uma duração superior a duas horas, está disponível na Netflix e tem sido um enorme sucesso em todo o mundo.


O filme conta a história de um homem com uma grave deficiência intelectual, provavelmente autismo ou algo semelhante, que é acusado da morte de uma menina, colega de escola da sua filha Ova, por estar “no lugar errado à hora errada”. Como não consegue falar o suficiente para se defender, Memo – o protagonista – é preso e espancado por reclusos e pelas forças militares. Após algum tempo na prisão, os companheiros de cela percebem que o homem não tem qualquer maldade e acreditam na sua inocência. Aqui começa a luta, a união de esforços para salvar Memo. No entanto, o final é totalmente inesperado e vale a pena ver.


O título do filme foi bem escolhido, contudo, só nos últimos minutos é que se entende o porquê deste nome, uma vez que se dá o milagre que, até então, o espectador é levado a acreditar que não vai acontecer. A cela 7 é o local onde se passa grande parte da ação e é o ambiente que conduz ao desfecho da história.


O início do filme é feito em prolepse, ou seja, antes de conhecermos o que quer que seja acerca da história, vemos uma pequena parte do que acontece anos após o final do filme, que só se entende mesmo no final da ação, mas faz todo o sentido e é uma construção inteligente que joga com a vertente cultural. Aqui entra um assunto imensamente importante e alvo de debates, a pena de morte, um dos temas mais sensíveis da obra de Mehmet Ada Öztekin.


A acusação que move a narrativa é grave, a de homicídio de uma menina com a idade da filha – que recai sobre uma pessoa pura, inocente e que nem se sabe defender. Memo diz a verdade em todas as circunstâncias, mesmo quando uma pequena mentira seria mais benéfica para si próprio.


O ponto a destacar é o facto de ser um filme extremamente emocionante e bem conseguido, devido ao incrível e cativante enredo. A forma como tudo acontece provoca no público o efeito desejado: o sentimento de pena para com os protagonistas, a emoção e a compaixão, sobretudo devido à inocência da personagem principal, dada a sua deficiência cognitiva.


Há uma troca de palavras que caracteriza o filme, algo único e especial. Quem já o viu, se ouvir “lingo lingo, garrafas”, sabe de imediato que se está a falar desta obra. Estas são as palavras carinhosas que Memo e Ova dizem muitas vezes, ou seja, quando querem chamar um pelo outro gritam “lingo lingo”, ao que o outro entende de imediato quem o está a chamar e responde “garrafas”. Segue-se o abraço carinhoso que dão sempre que se veem. Ele tem a inocência de uma criança, é como se pai e filha tivessem a mesma idade.


O ator que desempenha o papel principal faz um trabalho extraordinário, sobretudo pela deficiência que interpreta com um realismo incrível. A obra cinematográfica faz-nos “bater de frente” com expressões faciais e corporais, com cenas violentas e outros pormenores que, psicologicamente, mexem connosco.


Diria que este filme é um romance, porém, completamente diferente do habitual. Não vemos qualquer tipo de relação romântica entre casais, assistimos apenas ao enorme amor de uma família composta por avó, neto e bisneta. A amizade é outro dos principais valores transmitidos, mas apenas se revela com o desenrolar da ação.


Os cenários levam o espectador a sentir emoções ainda mais fortes. Há, essencialmente, dois cenários contrastantes: o campo, associado à liberdade e à felicidade, sempre com cores vivas, e um ambiente prisional escuro, sombrio, triste e, inicialmente, violento. Este filme pauta-se por estas sensações.


Nesta obra não consegui identificar um clímax, no entanto, há vários momentos intensos. A lição a retirar é de que a bondade e o amor ultrapassam todas as barreiras.


Não é comum que filmes turcos, ou de outros países do Médio Oriente, não sendo relacionados com guerra, tenham tanto sucesso a nível mundial, ou pelo menos em Portugal. Portanto, penso que este será um dos melhores filmes já produzidos no cinema oriental e conquistou corações um pouco por todo o lado.

Comments


bottom of page