A cooperativa portuguesa Fruta Feia é o primeiro projeto a arrecadar dois prémios em simultâneo na história dos LIFE. De um ponto de entrega, em 2013, a cooperativa passou para 11, trabalhando atualmente com uma rede de cerca de 300 produtores.
Com o projeto Flaw4Life, a cooperativa portuguesa Fruta Feia venceu, este ano, a categoria de melhor projeto de Ambiente e o Citizen’s Prize dos Prémios LIFE. Os galardões são atribuídos pela União Europeia e visam distinguir os melhores projetos financiados pelo programa que empresta nome aos Prémios. O anúncio foi feito em outubro.
Segundo Maria Canelhas, dinamizadora local da Fruta Feia no núcleo de Lisboa, o prémio na categoria Ambiente foi recebido com surpresa e satisfação: “Nunca antes uma cooperativa com uma estrutura tão pequena como a nossa tinha ganho um financiamento LIFE”, notou em declarações ao JPN/O IMPRESSO.
A Fruta Feia é a primeira a ganhar o prémio desde que abriu a categoria “cooperativas”: “É um grande reconhecimento para nós. É a prova de que o modelo que nós criamos, de facto, é viável e é replicável. E é uma resposta eficaz ao problema do desperdício alimentar devido à aparência”. A responsável pela comunicação da entidade diz que é uma alegria ter reconhecimento a nível internacional.
Em relação ao Citizen’s Prize, Maria Canelhas admite que estavam confiantes: “Aí, nós suspeitávamos que podíamos ganhar, porque inicialmente tinham a votação a descoberto, portanto, nós víamos que íamos com a maioria dos votos”, conta.
Foi em 2015 que a Fruta Feia criou o projeto Flaw4Life, financiado pelo programa LIFE, da União Europeia. “O Flaw4Life foi um projeto desenvolvido pela Fruta Feia em parceria com a Câmara Municipal de Lisboa (CML) e o Instituto Superior Técnico (IST)”. O principal objetivo era replicar o conceito da cooperativa noutras cidades do país – uma vez que havia apenas um ponto de entrega, em Lisboa – e associar o modelo da Fruta Feia a uma resposta ao problema do desperdício devido à aparência.
Com o Flaw4Life foi possível abrir novos pontos de entrega, incluindo na região Norte. A CML, como parceira, foi responsável por desenvolver atividades nas escolas do município, para levar a mensagem da Fruta Feia às crianças. O parceiro IST (Instituto Superior Técnico) fez a monitorização do impacto socioeconómico e ambiental do projeto-piloto e da sua replicação noutras cidades. O projeto durou três anos, tendo terminado em 2018.
À exceção do programa Flaw4Life, a Fruta Feia não tem parceiros nem outros apoios. “Desde o início que nos esforçamos por ser um projeto independente e financeiramente autossustentável, e desde o início que conseguimos”, explica Maria Canelhas, que está na cooperativa desde 2014. Após o investimento inicial, que foi financiado, o dinheiro da venda dos cabazes passou a ser “suficiente para cobrir todos os custos que a cooperativa tem”.
O Flaw4Life foi cofinanciado pela UE para acelerar a replicação do projeto noutras cidades: “O excedente que nós fazemos no final do ano, embora seja suficiente para investir na abertura de novos pontos de entrega, não é suficiente para o fazer à velocidade que este problema exige”.
Sete anos de Fruta Feia
A história da Fruta Feia começou em 2012, motivada pela visualização de documentários acerca do desperdício alimentar devido à aparência. A fundadora, Isabel Soares, que vivia em Barcelona, planeou montar uma cooperativa que desse valor económico às frutas e hortícolas desperdiçados pela má aparência, dando retorno ao investimento dos produtores. Assim, canalizar-se-iam os alimentos diretamente do produtor até ao consumidor final, que não os julga tanto pelo aspeto.
A jovem estruturou o projeto e concorreu a um financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian chamado “Ideias de Origem Portuguesa”, direcionado a portugueses a viver no estrangeiro que tivessem uma ideia para desenvolver em Portugal. Ganhou o segundo prémio do concurso, o que lhe valeu uma grande parte do dinheiro necessário para arrancar. O restante valor foi angariado através de uma campanha de crowdfunding – uma recolha coletiva de fundos. Além das instalações, conseguiu o material necessário e a carrinha de transporte.
Seguiram-se o registo da marca e do logótipo. Com a cooperativa formada legalmente, em 2013, a Fruta Feia tratou de angariar consumidores associados, incentivando as pessoas a registar-se, e arranjou alguns produtores.
Maria Canellhas conta que o interesse dos consumidores foi imediato: depois de aceites 100 consumidores, ficaram outras 100 pessoas em lista de espera. Mais difícil foi ganhar a confiança dos produtores, que não acreditavam que alguém lhes fosse pagar pelos produtos agrícolas que costumavam ir para o lixo: “Hoje em dia são os agricultores que vêm ter connosco a querer ser nossos fornecedores”, explica.
Maria diz que a evolução tem sido “bastante satisfatória”, comparando o início do projeto à situação atual: “Nós começamos, em 2013, com um ponto de entrega, um trabalhador, 10 agricultores e 100 consumidores. Atualmente, temos 11 pontos de entrega, trabalhamos com uma rede de cerca de 300 produtores, temos mais de 6.500 associados e evitamos, semanalmente, que cerca de 15 toneladas de frutas e hortícolas vão parar ao lixo”. Em 2013, o desperdício evitado, semanalmente, era de apenas 450 quilos.
Os clientes da Fruta Feia são de diferentes idades, classes sociais e nacionalidades: “Os nossos associados são bastante heterogéneos. O único traço que é transversal a todos é o facto de não julgarem a qualidade pela aparência”.
Atualmente, 12 pessoas trabalham na cooperativa em full-time, número que inclui duas equipas: a do núcleo do Grande Porto e a do núcleo da Grande Lisboa.
A rotina das equipas consiste em, de manhã, ir ao campo recolher as hortícolas aos produtores, que foram previamente encomendados. Nos pontos de entrega, há equipas de cerca de 10 voluntários que preparam os cabazes, ao início da tarde. Das cinco da tarde às nove da noite, é feita a venda dos cabazes aos consumidores associados. O cliente tem o cabaz assegurado todas as semanas. “Se não puder ou não quiser levantar o cabaz, então tem um determinado prazo de cancelamento”, o que é útil para que os colaboradores saibam com antecedência as quantidades que é necessário comprar a cada produtor.
Neste momento há bastantes pessoas em lista de espera no site, para se tornarem associados. Sempre que há uma vaga, é aceite mais um consumidor. O pagamento é feito em numerário, no momento em que é levantado o cabaz.
Os cabazes têm sempre o mesmo valor – 3,60 euros o cabaz pequeno e 7,20 euros o grande (preços aumentados em 10 e 20 cêntimos, respetivamente, devido à pandemia, por causa das despesas em material de proteção e desinfeção). A intenção da cooperativa é voltar aos valores normais após a pandemia da Covid-19. Os produtos que compõem as caixas variam, o que permite trabalhar com uma grande variedade de agricultores. O cabaz pequeno tem sete variedades (3-4kg) e o grande oito tipos de hortícolas (6-8kg), entre frutas e legumes.
Para já, a Fruta Feia não tem novos projetos em mente: “O futuro passa por abrir novos pontos de entrega, para que consigamos dar resposta a mais agricultores. Abrimos novos pontos de entrega em função dos sítios onde há mais procura por parte dos consumidores”, completa Maria Canellhas que acrescenta que a Fruta Feia apenas faz sentido nos grandes centros urbanos, porque no campo já se come fruta feia: “Isto do fruta feia e fruta bonita acaba por ser um capricho dos grandes centros urbanos, onde as pessoas estão mais dependentes do supermercado”.
Além da abertura de novas instalações, a funcionária da cooperativa portuguesa não faz grandes previsões para o futuro: “Vamos continuar com o programa de educação ambiental, ou seja, levar a mensagem da Fruta Feia às escolas do país, neste momento é o nosso foco. E daqui a uns anos, logo se verá”, concluiu.
Artigo desenvolvido em parceria com o JPN.
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