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Quando os livros mudam (as nossas) histórias

Natalina Araújo, Clélia Teixeira e Telma Barros não se conhecem. Mas têm em comum a paixão pelos livros e acreditam no seu poder transformador: os livros são uma porta para o desenvolvimento do ser humano e têm a capacidade de o tornar mais empático e solidário.

Fotografia Mauricio Sepulveda



Estas três mulheres participaram, em anos diferentes, em formações de biblioterapia e sobre o mundo dos livros na Faculdade de Letras da Universidade do Porto dinamizadas pela professora Maria do Rosário Pontes. Estas sessões tinham como objetivo motivar a comunidade educativa para a utilização dos livros como meio de resolução de situações problemáticas, desenvolver hábitos de leitura, mas também promover uma educação de valores e afetos. Depois de terem frequentado as formações, a Natalina, a Clélia e a Telma sentiram que tinham de criar algum projeto que tivesse os livros como protagonistas.



O potencial terapêutico dos livros

Para Natalina “a formação em biblioterapia é fundamental para os docentes e outros técnicos que trabalham com crianças e jovens”. Admite que as instituições do ensino superior e os centros de formação de professores deveriam apostar neste domínio de formação porque “cada vez mais as crianças e jovens estão sujeitas a maiores adversidades e riscos”. Como tal, considera que “é importante que sejam fortes, que tenham uma boa autoestima e que acreditem nas suas potencialidades”. Por isso, considera que “os livros são uma porta para o desenvolvimento de crianças e jovens mais humanistas, mais amigos, mais solidários”.


Para Telma Barros os livros têm um “poder terapêutico” e através deles o ser humano deve refletir para que possa viver “plenamente, com saúde mental e emocional”. Considera também que “quanto mais cedo se iniciar este tipo de contacto com os livros e seu potencial terapêutico, melhor”. Telma não deixa de admitir que muitas vezes, com a sobrecarga e a pressão de cumprir os planos curriculares nas escolas, vários aspetos importantes do desenvolvimento do ser humano são deixados para segundo ou terceiro planos. “Esquecemo-nos de criar Homens reflexivos, com pensamento crítico, ativos na sociedade… Julgo que os livros serão um ótimo recurso para atingirmos esse fim,” nota.


Já para Clélia Teixeira é importante “apostar num projeto biblioterapêutico que alie a componente valorativa e reflexiva à lúdica”.



Projetos que resgatam

Cada uma, à sua maneira, tem levado a leitura mais longe e semeado o gosto pelos livros naqueles com quem trabalham.


Natalina Araújo, psicóloga no Agrupamento de Escolas de Monte da Ola, tem desenvolvido atividades no âmbito do Projeto TEIP – Território Educativo de Intervenção Prioritária. O agrupamento é considerado um TEIP por integrar escolas frequentadas por crianças e jovens provenientes de “meios socioeconómicos e culturais desfavorecidos, nomeadamente de etnia cigana com baixos níveis de sucesso escolar e problemas de assiduidade”, esclarece.


A ação da psicóloga visa promover o desenvolvimento socio-emocional das crianças e jovens, além de pretender favorecer a saúde mental. Neste sentido, o trabalho da psicóloga “parte de histórias, tal como preconizado pela biblioterapia” e foi escolhido como uma das abordagens para trabalhar as competências emocionais. O trabalho tem incidido prioritariamente no ensino Pré-Escolar e 1º Ciclo do Ensino Básico. O “objetivo geral é fomentar o desenvolvimento de competências socio-emocionais no sentido de tornar as crianças mais resilientes às adversidades e fortalecer a sua saúde mental”, explica.


No agrupamento, os serviços de psicologia propõem a dinamização de ações de capacitação para os alunos. Natalina Araújo dá conta de que já foram “dinamizadas ações sobre a gestão da raiva, a gestão do stress, a gestão do luto, bem como sobre como lidar com famílias diferentes”. São organizadas sessões em grupo e a psicóloga dá conta de que “os docentes ficam mais sensibilizados para a abordagem de temáticas ligadas à saúde mental com os alunos”. Por sua vez, “os alunos ficam mais habilitados a lidar de modo mais adequado com sentimentos negativos e a ver a realidade com outro olhar”.



Entre a escola e a família os livros são a ponte

Para Clélia Teixeira, coordenadora da Biblioteca Escolar do Agrupamento de Escolas de Pedrouços, na Maia, a necessidade de promover a leitura em contexto familiar levou-a a dinamizar o projeto “Contos em Movimento”. O projeto consiste no envio de “contos para os encarregados de educação para que seja feita uma leitura em contexto familiar”.

A coordenadora, e também professora, explica que “tinha de ser uma leitura pequena e com conteúdo de reflexão com valores que apelassem à tolerância, à justiça, ao amor, ou seja, aos afetos. Portanto, pequenos contos de leitura rápida e com uma moral válida”. O conteúdo enviado tem como público alvo alunos do pré-escolar até ao Ensino Secundário.


No início de cada ano letivo, a coordenadora elabora uma grelha onde explica a atividade e solicita aos pais que autorizem a recolha dos e-mails para participarem no projeto. Após a recolha, são enviados quinzenalmente dois contos: um destinado aos pais das crianças da Educação Pré-Escolar e 1º Ciclo e outro aos alunos do 2.º e 3.º ciclos e do Secundário. Este ano o projeto foi alargado aos professores de Inglês, Espanhol e Francês.


No entanto, há algumas famílias que não têm computador e, portanto, não recebem em suporte digital, mas Clélia tem a solução. Na biblioteca da escola há uma cesta com todo o material que os “alunos podem levar para casa”.


Desde o início do projeto, em 2014, que o feedback tem sido positivo. Clélia Teixeira conta que “são inúmeras as respostas a agradecer e a pedir a continuidade do mesmo. Há pais que dizem que os alunos aguardam ansiosamente pelo conto”. Para além disso, a professora nota que os “alunos aumentam o seu vocabulário e a sua criatividade, após leitura efetiva dos contos”.


Telma Barros é enfermeira de profissão mas foi enquanto membro da Associação de Pais do Centro Escolar de Figueiró, no concelho de Paços de Ferreira, e apaixonada por livros que, em 2017, propôs o projeto “Crescer com Histórias” aos membros da Associação. Recorda que a ideia foi aceite de imediato. Conta que o objetivo é “levar histórias às salas de aula e envolver os pais e professores”, além de “criar o gosto pelos livros e pela leitura”. No entanto, serve também para desenvolver a inteligência emocional, já que a equipa tenta sempre que “os temas estejam relacionados com assuntos que mereçam alguma reflexão, tais como, a literacia emocional, autoestima, bullying e a conservação da natureza”.


Todos os meses é lançado um tema, geralmente relacionado com algo comemorativo ou com aspetos da inteligência emocional. De seguida, os pais indicam a sua disponibilidade e cada turma ouve uma história dinamizada por um encarregado de educação.


Com a pandemia, o projeto passou a ser online. “Todo o processo é o mesmo, a diferença é que cada pai grava o vídeo em casa, envia-me e depois eu reencaminho as histórias gravadas para o coordenador”. Para que esta adaptação fosse possível, a Associação de Pais comprou dois projetores para facilitar a projeção por todas as turmas.

A enfermeira não hesita em dizer que a adesão ao projeto tem sido positiva, quer por parte do corpo docente, quer por parte dos alunos. “Sempre que nos apresentamos na escola é uma alegria, os alunos ficam todos contentes: ‘Hoje é dia de história’, dizem quando nos veem chegar à escola”. Telma diz ainda que “os professores fazem questão de manter o projeto, é das primeiras coisas que nos dizem na reunião com a Associação de Pais no início de cada ano letivo”.


Contudo, não esconde a preocupação, pois o projeto é feito em horário escolar e, portanto, laboral e a grande maioria dos pais não tem disponibilidade. “Tenho receio que quando estes pais já não tiverem filhos na escola o projeto fique sem pernas para andar”.


No entanto, Telma acredita que o projeto está a deixar “a sementinha, em cada menino, do gosto pelos livros e pela leitura. Também julgo que conseguimos envolver os pais, trazê‑los verdadeiramente para a escola e criar uma ligação de colaboração e de proximidade com os professores,” remata.






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