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O processo de integração e o preconceito

A integração profissional de um refugiado pode ser rápida ou lenta, dependendo das circunstâncias. A barreira linguística e algum preconceito são obstáculos que as instituições tentam ultrapassar.


Fotografia DR



Se, por um lado, há quem não fale o básico da língua portuguesa e não tenha qualificações académicas, há também casos de pessoas instruídas que falam várias línguas, aptidões que constituem uma mais-valia para a integração no mercado de trabalho, não sendo, porém, sinónimo de sucesso.

Filipa Silvestre, diretora de um dos Centros de Acolhimento do CPR, explica que “a integração profissional é também uma adaptação cultural”. Por um lado, é necessário aos refugiados receber alguma formação no que diz respeito às dinâmicas empresariais, para perceberem em que moldes trabalham as organizações em Portugal, moldes esses que são, normalmente, diferentes dos que vigoram nos países de origem dessas pessoas.



Filipe Doutel, jurista do Serviço Jesuíta aos Refugiados, informa que, na sua instituição, é também dado apoio à procura de trabalho, formulação de currículos e apresentação dos candidatos.

Por outro lado, é igualmente essencial que conheçam os seus direitos. Filipa Silvestre dá alguns exemplos em que houve, por parte das empresas, um aproveitamento da situação de vulnerabilidade dos migrantes. “É importante que estas pessoas tenham uma noção dos seus direitos. Já me aconteceu perguntar a um senhor do Paquistão se tinha assinado um contrato de trabalho e ele, muito contente, apontou para um papel em branco e disse que o patrão lhe tinha pedido para assinar um papel igual àquele”. Para além disso, há patrões que se aproveitam da vontade de trabalhar destas pessoas. “Os patrões aproveitam-se de quem está vulnerável e quer muito trabalhar. Já tivemos requerentes a admitir que trabalham 16 horas por dia”, conta.


O racismo e o preconceito são também entraves à integração. A representante do CPR, com base na sua experiência diária, admite que há casos em que estas pessoas são discriminadas devido à sua situação. “Não somos racistas, mas não queremos um refugiado em casa. Por isso é que temos dificuldades em alugar casas. ‘Não sou racista, mas não quero essa pessoa na minha empresa’, isto existe”.


A desconfiança em relação ao desconhecido é uma barreira que dificulta a integração plena. Filipa Silvestre continua: “Nós telefonamos às empresas, mas estas não aceitam quem tenha autorização de residência por seis meses, preferem evitar constrangimentos”. Para combater este tipo de discriminação, a coordenadora, membro do CPR, acredita que é importante desconstruir esta maneira de pensar, sobretudo junto das escolas e grupos profissionais, para “mostrar que não faz sentido nenhum ter estes preconceitos”.


O jurista do JRS explica que existe um período de acolhimento de 18 meses que tem como objetivo “integrar como um todo”. Durante esse tempo, “é necessário as pessoas passarem por um período de luto por aquilo que perderam. Depois, tentam ter alguma estabilidade para reequacionar e reorientar as suas vidas para o futuro, a curto, médio ou longo prazo, se é que conseguem definir isso”. Filipe Doutel reconhece que o período de 18 meses “não é suficiente e talvez tenha sido idealizado de forma irrealista”.

Ao fim de um ano e meio de acolhimento, o refugiado adquire os direitos e deveres de qualquer cidadão português. “Se não tiver emprego e tiver feito os descontos necessários, terá direito ao subsídio de desemprego e ao abono de família, caso tenha filhos. No caso de uma condição de vulnerabilidade habitacional, terá de recorrer à Segurança Social, como qualquer outra pessoa, sem privilégios e sem desvantagens”, lembra.

O fim deste período de acolhimento e de apoio à integração traz dificuldades. Filipe Doutel enumera alguns problemas que surgem na procura de habitação. Os refugiados que foram acolhidos na instituição jesuíta têm de deixar a casa para dar lugar a outros. Esta necessidade leva a que os anteriores ocupantes tenham de procurar outro espaço para viver, mas a procura torna-se ainda mais difícil quando não existe qualquer tipo de retaguarda. “Os portugueses têm um núcleo social que permite criar uma dinâmica, viver na casa dos pais, com os amigos; já os refugiados vivem em camaratas sem condições. Duvido que as condições de higiene e dignidade sejam satisfatórias. É problemático quando uma família partilha a casa com outras famílias”, explica.


Outro obstáculo à habitação é a obrigatoriedade de ter um fiador. “Praticamente todos os senhorios exigem fiador. A maioria de nós [portugueses] consegue um fiador porque fala com um familiar muito próximo. Os refugiados não têm uma rede familiar em Portugal e não têm condições económicas para serem fiadores”. Esta questão é, na opinião do jurista, um “obstáculo quase inultrapassável”.

Nos casos nos quais não é exigido um fiador, muitas vezes existe o “crivo da discriminação”, como relata Filipe Doutel. “No arrendamento da habitação existe uma preferência clara pelos portugueses. Às vezes também não percebemos até que ponto [essa preferência] é guiada por preconceitos culturais ou económicos. Há um raciocínio meramente económico, o que leva as pessoas a pensar que um cidadão nacional tem uma maior garantia de cumprimento do contrato”. Filipa Silvestre, do CPR, refere ainda: “Telefonamos para alugar uma casa e, se dissermos que são refugiados, desligam-nos na cara”.



Desconstrução do racismo e do preconceito

Embora os dois entrevistados admitam que existem casos de preconceito, como os já mencionados, são unânimes em afirmar que, no geral, a população portuguesa acolhe bem quem chega a Portugal. Na entrevista, Filipe Doutel, do JRS, garante: “Nunca tivemos uma rebelião de uma comunidade que fosse preconceituosa e rejeitasse, de todo. Aliás, a tendência é cada vez mais aceitar, cooperar ativamente e há vontade de integrar. Isso é um aspeto muito positivo”. Apesar disso, em outubro de 2020, o Centro de Acolhimento para Refugiados da Bobadela, do CPR (à semelhança da Universidade Católica e outras escolas em Lisboa), foi vandalizado com frases racistas e xenófobas.

Para Filipa Silvestre, é uma situação preocupante, porque já havia acontecido duas vezes, em junho e em julho, e “demonstra que quem tem esta posição mais extremista começa a não ter medo e vergonha de o dizer, quando devia ser o contrário”, comenta.

A coordenadora acrescenta que a palavra “refugiado” pode ser interpretada de maneiras diferentes, podendo ter conotações positivas e negativas. “A forma como a palavra ‘refugiado’ é utilizada em contexto social difere consoante o olhar de quem está a falar sobre a questão”.

Filipe Doutel, do JRS, acredita que há algum preconceito, mas defende a sua desconstrução. “Em relação aos refugiados, não sentimos que exista problema. Mas, todos nós temos preconceitos e estereótipos, algo prejudicial que cria obstáculos”. Afirma também que estes problemas devem ser trabalhados e, como tal, o JRS trabalha no sentido de “desconstruir os mitos”.




Esta é a segunda parte da Grande Reportagem d'O Impresso sobre o acolhimento e integração de refugiados em Portugal. Ler a terceira parte.



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