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Portugal pode fazer mais pelo acolhimento e integração dos refugiados

Filipa Silvestre e Filipe Doutel consideram que há “um longo caminho a percorrer no nosso país”. São apontadas várias falhas a nível organizacional, governamental, habitacional e burocrático, bem como no ensino do português.


Fotografia DR


Filipa Silvestre salienta a necessidade de haver um maior envolvimento das entidades governamentais e não governamentais na resposta concreta a estas pessoas. Dá como exemplo a Associação Nacional de Municípios. Embora tenha assinado o protocolo de cooperação no acolhimento de requerentes de asilo, só esteve presente na primeira reunião. “Podem, por exemplo, fazer lobby junto dos municípios”, sugere. Filipe Doutel partilha a mesma opinião e deseja que “as pessoas envolvidas no acolhimento – sociedade civil e Estado – falem e discutam mais, façam uma análise crítica”.



Filipa Silvestre destaca a falta de um plano nacional para a criação de estruturas sempre que haja um aumento do número de requerentes, bem como para a desativação das mesmas sempre que o número de refugiados ou de pedidos de asilo desça.


O representante do JRS acredita que se pode ser feito mais trabalho a nível do arrendamento de casas e propõe a utilização de fundos comunitários para reabilitar património devoluto e ceder os edifícios aos refugiados que necessitem de habitação. Para solucionar a questão da fiança, considera que seria útil e mais eficaz a criação de um seguro de fiança, que já existe no mercado, mas “a taxa de esforço é baixíssima e irrealista, além de que exclui estrangeiros porque é exigida residência permanente por cinco anos. O seguro de fiança iria ajudar a suprir este problema, que também é sentido por alguns portugueses”.


Filipe Doutel também aponta deficiências ao nível do ensino da língua portuguesa: “O ensino do português é uma grande falha do programa de acolhimento em Portugal. Não existe uma oferta contínua e intensa de português com diferentes níveis. O refugiado não pode estar dois, três ou quatro meses sem ter português. São meses perdidos. Primeiro, começa a entrar numa lógica de desmotivação e perde aquele entusiasmo inicial que tinha quando chegou. São três, quatro meses perdidos, o que é muito grave. O ensino deve ser intenso, não uma aula por semana, mas várias. É importante que haja vários níveis. Há pessoas que nem conhecem o nosso alfabeto, outras nem sequer são alfabetizadas no seu alfabeto”.

Filipe Doutel identifica também a burocracia como um aspeto negativo no processo de integração e acolhimento. Quando um requerente de asilo chega a Portugal, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras demora muitos meses a emitir o documento que lhes garante os direitos básicos. O jurista acredita que o SEF deveria funcionar de uma maneira mais eficiente para não ser um obstáculo à integração. “Desde 2012, Portugal deve ter quadruplicado o número de imigrantes e o número de funcionários do SEF manteve-se o mesmo. O SEF precisa de investimento”.


Apesar de todas as lacunas, Filipa Silvestre, do CPR, diz que é necessário ter em conta que, “acima de tudo”, cuidam de pessoas, com tudo o que isso implica: “personalidades diferentes, expectativas, zangas”.

Portugal tem a ganhar com a presença de refugiados

Os últimos dados do relatório sobre a imigração publicados pelo Observatório das Migrações (OM), em 2018, mostram um saldo positivo de 651 milhões de euros entre as contribuições dos imigrantes (cidadãos estrangeiros, imigrantes económicos, refugiados) para os cofres do Estado (746,9 milhões de euros) e os benefícios obtidos com prestações sociais (95,6 milhões). Nunca os imigrantes contribuíram tanto para as contas da Segurança Social. Por exemplo, este valor é mais do dobro do que foi registado em 2013, nota o documento.

Para além disso, a entrada de imigrantes no mercado de trabalho nacional fortalece a economia. Filipe Doutel diz que esta conjugação “é eticamente louvável: o que é humano também é economicamente favorável”.


O jurista desconstrói ainda o mito de que cidadãos estrangeiros em Portugal tiram os postos de trabalho aos portugueses. “Essa ideia não é verdade e não faz sentido. O saldo migratório mostra que há tanto mais imigrantes quanto o desenvolvimento económico do país. Na altura em que Portugal esteve em crise e teve a intervenção da TROIKA e do FMI, o número de imigrantes desceu muitíssimo. Quando a economia cresce, é preciso mais mão de obra, há mais imigrantes. Os imigrantes acompanham a tendência do país”, explica. Acrescenta ainda que, em alturas de crise, “os imigrantes são os primeiros a ser despedidos”.




Esta é a terceira parte da Grande Reportagem d'O Impresso sobre o acolhimento e integração de refugiados em Portugal. Ler a quarta parte.

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